parte 2
VILA CHOCOLATÃO
OCUPANDO
brechas,
construindo
vidas
© Imagem: Giovana Santini.
Crédito da Imagem: Giovana Santini,
Vista da Vila do Chocolatão do alto
do edifício da justiça, Montagem
Fotográfica, 2006. P. 7
Legenda:
Instância Federal
Instância Estadual
Instância Municipal
ONGs
Privado
Vários âmbitos
passeios/vias públicas
Legenda:
Instância Federal
Instância Estadual
Instância Municipal
ONGs
Privado
Vários âmbitos
passeios/vias públicas
"A Vila Chocolatão passou a ser ocupada há mais de 20 anos [1986 a 2011] por famílias que estavam vivendo em situação de rua e que habitavam nas proximidades, embaixo de pontes, marquises e acampamentos na margem do rio Guaíba. Aos poucos, as famílias foram recolhendo das ruas restos de madeiras e compensados até erguerem seus pequenos barracos"
(SOARES, SUSIN, WARPECHOWSKI,
2011-2012, p.165).
"(...) esses moradores sabem que, além da casa, necessitam viver num território onde também possam ter acesso aos demais bens e serviços que tornam a vida digna. Estavam inseridos nos serviços da região, como escola, creche, posto de saúde e centros de assistência social. O centro da cidade é uma região muito rica na produção de resíduos, garantindo o trabalho de coleta. Construíram uma rede de apoio informal, composta por moradores do entorno, igrejas, restaurantes que auxiliavam com alimentos, roupas, móveis. Assim, diziam: ‘O centro é muito rico e aqui ninguém passa fome’
(SOARES, SUSIN, WARPECHOWSKI,
2011-2012, p.166-167).
Texto coletivo da equipe FASC
Fundação de Assistência Social e Cidadania e moradores da Vila
“A Vila Chocolatão passa a existir no contexto da cidade há aproximadamente 24 anos, o terreno vazio começou a ser ocupado pelos seus novos moradores, na sua maioria indivíduos que viviam na Prainha, junto ao Rio Guaíba, no entorno e no Parque Harmonia, em barracas, na margem do rio na orla do Gasômetro, viviam do trabalho com o lixo, pois parte do lixo da cidade era depositado nas imediações. Gabriela, moradora da vila, ao visitar a prainha, diz que ‘no centro não falta alimento, o centro é muito rico’ [...] ‘A gente vivia bem’ [...]. Sobre a escolha do local, na beira do rio, entre árvores e vegetações mais densas, Gabriela diz: ‘ali não éramos vistos, tinha a praia, mas não tínhamos permissão para morar ali’
(SUSIN, 2012, p. 51).
Paulo, morador desde o início da vila, diz que foram solicitados para que os moradores saíssem do lugar, pois era uma área de preservação ambiental. Os moradores foram convidados a deslocarem-se para locais bastante distantes de onde estavam. Conforme Paulo, poucos aceitaram deslocar-se para os locais propostos, os demais sem alternativa de moradia ‘levantaram suas barracas e atravessaram para o outro lado do parque’ [...], um pouco mais distante da margem do rio.
(SUSIN, 2012, p. 51).
Paulo, um dos fundadores da Vila Chocolatão
A partir desse movimento de ocupação/fundação outros indivíduos foram agregando-se ao grupo de moradores. Paulo diz orgulhoso: ‘fui eu quem derrubou com facão os “maricás”, e construí as primeiras casas. Todo mundo sabe disso aí’ [...] Movimento de uma pequena coletividade, que insistiu em inscrever em lugar, moradores da vilinha, da prainha, do chocolatão.”
(SUSIN, 2012, p. 52).
MAPA
DA
COMUNIDADE
Figura: Diagrama Geral da Vila do Chocolatão
Fonte: SANTINI, 2007, p. 51.
E assim através dos fragmentos, nas frestas, pelos fios, buscamos trazer para a cena as histórias de sujeitos que carregam marcas de outras experiências, que extrapolam os territórios do vivido e do conhecido produzindo novos contornos às margens.
O que é uma casa? Como conseguimos transformar um lugar em o nosso lugar no mundo? Por que alguns sentem que encontraram seu lugar e outros não? Como as cidades e o poder público entendem o que constitui esses lugares, essa casa simbólica, esteja ela materializada ou não? Por que alguns podem ser desalojados de seus lares para dar seu lugar a outros? O que isso diz da cidade que habitamos? Este lugar tido como transitório e provisório carrega também em sua configuração composições de diferentes elementos estampados em casas que fogem ao convencional pelos materiais utilizados. Os móveis podem tomar o lugar de uma parede e o exterior, a rua, também é ocupada pelo ambiente comum à vida privada.
Entendemos que uma casa é uma casa quando nela são trazidas lembranças, histórias, pontos de ancoragem para aqueles que a habitam. Não importa de que material são feitas suas paredes, portas e janelas. Importa?

Os moradores da Vila Chocolatão eram muito criativos na construção de suas casas. Um micro-ondas velho poderia se transformar em banco, um armário poderia servir de parede entre os cômodos. Os objetos perdiam suas funções originais e passavam a ter outras.
"As casas são pequenas, reduzindo-se a uma peça na maioria delas onde tudo é compartilhado – o lugar de estar, comer, dormir, trabalhar. O lixo invade as casas, pois, nas mesmas, os moradores guardam e separam o material coletado nas ruas"
(SOARES, SUSIN, WARPECHOWSKI, 2011-2012, p.166).
Banho de gatos

A experiência
de nossas roupas
no varal
tocando-se com
o vento
a tarde inteira
até o cair do
sereno.
Alguns dão a
isso um nome,
aos gatos pouco
importa.

-

Marcelo Martins Silva
Espaços compartilhados
As casas que compunham a Vila existiam ao redor de uma árvore. A árvore servia de praça: sua sombra agregava as pessoas que ali conversavam. Contam que até um parto foi feito à sombra de seus galhos.




A árvore da Vila não é uma árvore, é um mundo inteiro. Tem valor de praça, de ponto de encontro. É um espaço público por excelência. Sob sua sombra, nasceu uma criança. Seus galhos testemunharam conversas, brigas, amores, sonhos acordados e sonhos dormidos. A geografia da Vila poderia mudar com o tempo, mas a árvore tinha valor de epicentro.
Associação de moradores:
contação de história, aqui se joga junto!
Na contação de histórias
Contação de
Histórias…
A presença da catação e os objetos recolhidos do lixo também compõem as casas. "Nessa comunidade, os moradores vivem em condições extremamente precárias, em que nada está assegurado – nem mesmo o alimento do dia. As casas situam-se em zona irregular e de risco; o trabalho é precário, sem nenhum direito; em geral, trabalham com aquilo que os demais descartam, recolhendo o lixo que a sociedade produz. O trabalho com a reciclagem é a atividade preponderante entre os moradores, sendo que alguns trabalham em cooperativas de serviços gerais, em que os direitos trabalhistas não lhe são assegurados"
(SOARES, SUSIN, WARPECHOWSKI,
2011-2012, p.166)
"A vida na Vila é marcada pelas condições de exclusão, pois não há água encanada, nem luz com ligação regular (as ligações elétricas são clandestinas, os chamados “gatos”), o que já foi responsável por inúmeros incêndios nessa comunidade, inclusive com morte de adultos e crianças; não há saneamento básico, ficando o esgoto a céu aberto. Quando chove, tudo fica tomado pela água e pelo lodo, restringindo a circulação e o deslocamento dos moradores"
(SOARES, SUSIN, WARPECHOWSKI,
2011-2012, p.166)
Os Incêndios
...perguntam-se os moradores
Vila Chocolatão foi cenário de inúmeros incêndios. Ela era conhecida, em Porto Alegre, como a "vila incendiária". O que a vila incendeia?

Cada um dos incêndios marcava a reconfiguração de uma parte da Vila. Onde tinha rua, passava a ter casa; onde tinha casa, passava a ter rua. Novas ruas, novos vizinhos. Quem um dia conhecera a geografia da Vila, após um incêndio, se deparava com o estranhamento de uma nova configuração. A cada incêndio, os moradores da Vila, como fênix, renasciam das cinzas e criavam um novo território. Um novo território no mesmo território. Nunca quiseram sair dos contornos que criaram na cidade. Nunca quiseram sair do número 555. Preferiam reconstruir. As margens da Vila, que eram no centro de Porto Alegre, marcavam o lugar onde habitavam afetivamente.
"A partir do significante “incêndio”, outros foram sendo encadeados, como “Vila incendiária”, “Vila assassina” e “Vila do horror”, sentidos atribuídos socialmente, que não deixavam espaço para expressão da vivência traumática. Como nos trazia Carla: “Perdemos com os incêndios, perdemos muito, nossos documentos, nossas coisas, nossas vidas, tememos pelos nossos filhos”

(SOARES, SUSIN, WARPECHOWSKI, 2011-2012, p.169)
Entrevista Luciane - A polícia chega antes que os bombeiros
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