“Hoje vivo na angústia de não saber quem eu sou, quantos anos eu tenho, e sequer saber quem foram ou quem são os meus pais. Saber onde se encontra a minha verdadeira família. Todos se negam terminantemente a falar sobre esse assunto. Só desejo saber quem sou, e onde está a minha família. Acredito que esse direito eu tenho, depois de sofrer tantos anos, tantas humilhações. Hoje eu só sei que sou um ser humano que nada sabe sobre seus pais. Que jamais poderei sentir o colo da minha mãe e o carinho do meu pai. Eu desejo só a Justiça; saber a minha verdade... O que me fere é que de repente fiquei sem nada. Sem família de mentira e sem ter o direito de saber qual é a minha verdadeira família. Sempre me tiraram tudo, e desde 2013 me tiraram até o que eu pensava que fosse”. (Rosângela, Cativeiro sem Fim, p. 210)
Eduardo Reina fala sobre Rosângela
“Eu tenho versões que a minha mãe foi uma prostituta, uma baderneira, uma agitadora, uma subversiva. E ninguém fala absolutamente nada. Todos os familiares me bloquearam e não dizem nada”. (Rosângela, Cativeiro sem Fim, p. 239)
À esquerda Odyr de Paiva Paraná: o pai sequestrador de Rosângela, no exército
Rosângela bebê
Rosângela criança
Certidão de Casamento de Rosângela e Wilson
Wilson e Rosângela
Nilza e Odyr na década de 1960. Pais sequestradores de Rosângela
Rosângela criança
Rosângela criança
Rosângela criança
Rosângela criança
Turma de Rosângela no primário, em 1973
Previous
Next
O caso
Esse é o caso de Rosângela, que na década de 1960 foi pega ainda bebê e levada para ser criada por uma família de militares. Viveu por aproximadamente cinquenta anos achando que era Rosângela Serra Paraná, tomando-se como base o ano de 1963, data que uma certidão registra como de seu nascimento. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 211)
O pai adotivo – Odyr de Paiva Paraná – trabalhou por anos com o general Ernesto Geisel, presidente do Brasil no período 1974 a 1979. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 212)
A vida de Rosângela deu uma reviravolta em 2013, depois de uma discussão com parente, uma prima que não quer ser citada na história. Foi nesta briga que ela diz ter ficado sabendo que havia sido pega – não se sabe se isso é verdade – na porta de um hospital e levada para a família Serra Paraná, na cidade do Rio de Janeiro. Desde então busca sua verdadeira origem. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 212)
[...] nunca será descoberto esse segredo da família Serra Paraná. Alega que todos estão tranquilos, pois os principais responsáveis pela adoção irregular da bebê sequestrada já não estão mais vivos. E acredita que o crime [o sequestro e apropriação da bebê] já prescreveu. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 228)
A Rosângela garota lembra-se de sofrer constantes castigos. Quando havia visitas na casa da família, era obrigada a ficar trancada no quarto ou no banheiro. Nunca a deixavam fazer as refeições junto de todos, comia separadamente, com o prato no chão em outro cômodo. Durante a semana, diz ela, Nilza a doparia com medicamentos para dormir. Chegava da escola, fazia a refeição e era obrigada a tomar um comprimido. Dormia a tarde toda e só acordava no início da noite. Assim que ingeria o remédio, ia para a frente da televisão. Conseguia assistir um pouco da programação, normalmente Vila Sésamo, e depois apagava. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 233)
Irmã de Odyr, Odilma Paraná, também confirma que Rosângela foi adotada. Mas alega não se lembrar de quando a bebê foi para a casa do irmão. Diz apenas que a mãe biológica seria uma “baderneira” e que Arcy pegou a bebê num hospital no Rio. Não diz qual. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 234)
Ação de contrainformação
Durante 2017 e 2018 recebi vários contatos de pessoas que também diziam querer saber do paradeiro de sua filha(o) que fora roubada(o) na maternidade, no Rio de Janeiro. Somam perto de uma centena de mensagens escritas e faladas. Como ponto comum entre tais pessoas estava a história de Rosângela. Diziam ter feito contato com ela, se apresentado. E acompanhavam o desenrolar do drama dessa mulher apropriada por uma família de militares. Realmente ela foi procurada por várias pessoas desconhecidas. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 239)
As mensagens recebidas por mim ou repassadas a ela tinham objetivo claro de plantar informações que pudessem desacreditar o que havia sido levantado. Um óbvio trabalho de contrainformação. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 240)
O ápice dessas ingerências aconteceu em janeiro e fevereiro de 2018, quando a própria Rosângela foi procurada por um jornalista que mora no Rio de Janeiro. [...] (ele) afirmou, principalmente, que era para Rosângela “esquecer tudo” o que eu havia investigado e informado a ela até agora. [...] “Inicialmente achei que ele queria me ajudar. Mas só falava para eu esquecer de tudo. Queria fazer eu esquecer a minha história.”, desabafa Rosângela. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 240)
Previous
Next
Violência e abusos sexuais Rosângela, ainda menor de idade, foi obrigada pela mãe sequestradora, Nilza da Silva Serra, a se prostituir com Wilson Rodrigues. Na época, Wilson era casado com outra mulher e se relacionava com Rosângela em troca de dinheiro que ia diretamente para Nilza. Wilson era 40 anos mais velho que Rosângela. A menina não sentia que tinha escolha, sentia-se obrigada a permanecer nesta relação porque sua família supostamente adotiva a obrigava. Wilson casou com Rosângela, quando esta, supostamente, fez 18 anos. Continuou pagando para Nilza um valor em dinheiro para manter a relação. Rosângela era constantemente estuprada, humilhada e espancada pelo marido.
Dentre as diversas violências físicas e psicológicas que Wilson submeteu Rosângela, a enganou dizendo que tinha um câncer para que médicos removessem seu útero (sem seu conhecimento ou consentimento) e não pudesse mais engravidar, tentou assassiná-la com veneno quando pediu o divórcio, após o divórcio, deixou ela e as filhas na pobreza.
Rosângela só pôde se divorciar quando a mãe sequestradora, em seu leito de morte, lhe disse expressamente que agora poderia se separar. No entanto, teve que assinar um documento para não receber nenhuma pensão e abrir mão de seus direitos sob a ameaça de perder a guarda das filhas.
Depois do divórcio, Rosângela e as filhas se mudaram para Curitiba e viveram com muita dificuldade com o trabalho de Rosângela. Apesar de todas as dificuldades financeiras e trabalho precarizado e uma vida de traumas, Rosângela conseguiu formar as duas filhas na faculdade.
Este é um caso em aberto. Necessita que pessoas rompam o silêncio e falem tudo o que sabem, para que os pais biológicos dessa mulher, vítima da ditadura brasileira, apareçam. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 240)