A missão na Operação Peixe III, depois do levantamento de informações das fases anteriores, teve como objetivo partir para cima do inimigo para capturá-lo, neutralizá-lo e destruí-lo. [...] (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 88)

A infraestrutura da região passou por uma rápida restruturação. A geopolítica de ocupação da Amazônia priorizou as rodovias e promoveu o desmatamento para facilitar o controle de quem entrava e saía da região. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 90)

O que ocorreu no Araguaia talvez seja o episódio mais violento da ditadura militar no Brasil, considerando tanto as violências praticadas contra os guerrilheiros quanto aquela contra a população da região. Há relatos de inúmeras torturas, assassinatos, incêndio de casas e roças, expulsão de moradores de suas residências, prisões arbitrárias, existência de um campo de concentração e utilização de Napalm (bombas inflamáveis de fósforo usado na Guerra do Vietnã) para desfolhar árvores na floresta. Houve até aplicação de injeção letal contra opositores do regime militar. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 126)

O coronel Pedro Corrêa Cabral, no seu depoimento em Brasília, em 2001, disse que todos os guerrilheiros presos no decorrer da terceira campanha foram mortos, sob tortura, ou simplesmente fuzilados. Segundo Cabral, “eram ordens de Brasília, que não ficasse ninguém vivo. É estarrecedor, é forte, é triste, mas era esta a ordem”. Num linguajar próprio dos militares na região, os guerrilheiros presos eram levados para a mata, com o objetivo de mostrar a localização de depósitos de mantimentos e medicamentos. Eram levados para viajar e lá eram executados. “Viajar significa execução”, revelou o coronel. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 123)

OS MÉTODOS
Havia um projeto por trás dessas ações. Obviamente dentro dos preceitos militares. De acordo com Maria José de Rezende, “seguindo orientação do sociólogo Antônio Carneiro Leão, a Escola Superior de Guerra (ESG) batalhava para que o regime uma determinada ordem social na qual fosse possível controlar desde a emoção até a moral dos diversos indivíduos e grupos sociais. A ditadura, segundo os doutrinadores da ESG, conseguiria, assim, construir sua aceitabilidade, se ela fosse capaz de corrigir os desvios de hábitos e de comportamentos que fosse surgindo no transcorrer de sua vigência”. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 41)

E, dentro dessa perspectiva, foram realizados sequestros de meninos filhos de camponeses que se aliaram aos guerrilheiros na região do Araguaia. Foram, pelo menos, seis os adolescentes levados pelos militares para dentro de quartéis, num trabalho de cooptação e lavagem cerebral. Eles tiveram documentos adulterados para legitimar e retificar de forma ilegal as datas de nascimentos, de modo que pudessem permanecer dentro dos quartéis como se estivessem prestando o serviço militar. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 41)

Foi feito um intenso trabalho para reeducar os rapazes, fazê-los esquecer e refutar tudo o que haviam apreendido junto aos militantes políticos do PCdoB, contrários ao regime militar que governava o Brasil à época. Foi também desenvolvida uma intensa ação psicossocial junto a esses adolescentes e aos moradores de onde foram retirados. Por trás disso, a ideia de que a educação tinha que ser estruturada de forma que ela fosse capaz de criar as condições de legitimar o regime, o que significava adaptar e ajustar as gerações vindouras aos valores concebidos como essenciais pela nova ordem social que estaria sendo criada. Mais que isso, as ações psicossociais agiriam como uma espécie de salvaguarda dos objetivos nacionais, de acordo com os preceitos defendidos pelos militares da ESG. E tinham o objetivo maior de minar toda e qualquer possibilidade de ação adversa a eles. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 41-42)

AÇÕES COORDENADAS POR TODAS AS DITADURAS MILITARES DA AMÉRICA-LATINA
[...] Houve uma disseminação dessas ações militares entre os países do Cone Sul. O então chefe de polícia da província de Buenos Aires em 1977, o general Ramón Juan Alberto Camps, declarou, em depoimentos durante o processo, que o condenou a 25 anos de prisão, que naquele país houve sequestro e apropriações de bebês, crianças e adolescentes como forma de reeducar essas pessoas sob outro prisma de vida. Mas que pessoalmente não eliminou nenhuma criança. “O que fiz foi dar algumas a organizações benéficas para que lhes encontrassem novos pais. Os subversivos educam seus filhos na subversão. Isso devia ser impedido”. Camps foi condenado à prisão, acusado de 214 sequestros extorsivos, com 47 desaparições, 120 casos de torturas, 32 homicídios, 2 violações sexuais, 2 abortos provocados por torturas, 18 roubos e 18 subtrações de menores. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 42-43).

NO BRASIL
Aqui no Brasil, entre novembro de 1973 e o início de 1974, seis filhos de camponeses aliados aos guerrilheiros do Araguaia foram sequestrados: José Vieira de Almeida, Antônio José da Silva (Antoninho), José Wilson de Brito Feitosa (Zé Wilson), José de Ribamar (Zé Ribamar), Osniel Ferreira da Cruz, (Osnil) e Sebastião de Santana (Sebastiãozinho). (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 43)

Eram adolescentes que trabalhavam na roça para o sustento de suas famílias. Todos foram levados a quartéis em vários estados brasileiros. Permaneceram nesse cárcere disfarçado de prestação de serviço militar durante pelo menos um ano. Mas antes ficaram detidos em quartéis trabalhando de graça para o Exército. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 43)

A operação tinha como objetivo afastar os rapazes da região do Araguaia. Os seis foram cooptados pelo Exército. Foi realizada ação de aliciamento e uma espécie de lavagem cerebral dos rapazes, que tiveram de se submeter ao regulamento militar. Receberam promessa, não cumprida, de que poderiam estudar. Foram premiados pelos serviços prestados e “esqueceram” – em parte – a vida livre na selva, as agruras passadas juntos aos guerrilheiros e os maltratos recebidos dos próprios militares no Araguaia. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 59)

Manutenção do projeto
Passados mais de quarenta anos do movimento guerrilheiro, ainda persiste a atuação de agentes militares na região. Há nítida intenção de intimidação sobre as pessoas que têm algum tipo de informação que possa esclarecer fatos sobre a guerrilha e sobre o sequestro de bebês, crianças e adolescentes filhos de guerrilheiros e de camponeses que estiveram ao lado daqueles que lutavam contra o regime militar. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 67)

O mais grave, segundo o MP, é que a proibição é que não se trata de proibição da época da guerrilha, mas recente, constantemente reiterada. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 69)

Um dos objetivos do Exército ao manter a “mão pesada” sobre os moradores locais é dar continuidade ao caráter secreto com que se desenvolveram as ações de repressão à guerrilha do Araguaia e o silêncio dos vários personagens envolvidos e sobreviventes. (Eduardo Reina, Cativeiro sem Fim, p. 71)